Folhetim – 31 de Outubro 2019
OBLATOS DE MARIA IMACULADA
MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, PAZ E INTEGRIDADE DA CRIAÇÃO
CHILE
O país era a referência principal do governo brasileiro quando falava de “reformas” e “projetos” para um “novo Brasil”. O governo está sendo obrigado a se defrontar com a decisão
do povo de mostrar ao mundo o que realmente significa a aplicação das políticas neoliberais.
Apesar de mostrar um crescimento de 2,5%, uma inflação de 2% e um PIB per capita de 16 mil dólares, algo que está longe de ser alcançado pelo Brasil, bastou um aumento na passagem do
metrô para levar a população a se confrontar diretamente com o governo; o povo perdeu o receio de enfrentar as tropas policiais e militares; e levou o governo a ter de dialogar a respeito de
mudanças de fundo nas políticas econômicas e sociais.
O Chile privatizou a educação, a saúde e a previdência a índices inimagináveis, e sem resultados palpáveis no atendimento às necessidades do povo. O Estado entregou tudo para a iniciativa privada que supostamente faria melhor que a burocracia estatal no atendimento às necessidades básicas do povo, embora seja ainda cedo para uma avaliação dos resultados obtidos ou se obterem.
A onda de protestos no Chile foi uma surpresa. O país teve um desempenho econômico muito melhor do que o do resto do continente nas últimas décadas. É o país latino-americano com
o sistema político mais parecido com o de democracias maduras. A disputa chilena se dá entre um partido de centro-direita e um de centro esquerda que disputam o centro.
Analistas políticos afirmam que a classe política chilena não foi capaz de consertar o fato de que os 5% mais ricos do país têm renda semelhante aos 5% mais ricos da Alemanha, enquanto os 5% mais pobres têm a renda dos 5% mais pobres da Mongólia… As desigualdades são enormes, tanto quanto pelo Brasil afora.
Tornou-se evidente que os números, supostamente positivos, do crescimento econômico, de que as políticas neoliberais conduziram a esmagadora maioria da sua população a uma profunda desigualdade social e à completa precariedade de seus direitos. A concentração de renda é tão brutal quanto a brasileira: 0,1% detém 19,5% de toda a renda nacional – 1% detém 33% – e
5% detém 51,5%. Ao mesmo tempo o custo de vida cresceu 150%, e os salários 25%… A aposentadoria ficou estacionada entre 30% a 40% do salário mínimo, mantendo a velhice a índices
de miséria e pobreza insuportáveis, e o resto da população a profunda desigualdade social.
A tragédia maior reside nas 20 mortes, cinco das quais por agentes do Estado, e mais de 300 feridos.
O povo foi às ruas porque nove em cada dez aposentados chilenos recebem o equivalente a 60% do salário mínimo; e a desigualdade de renda, sempre alta, só faz aumentar; os 10% mais
ricos ganham trinta vezes o que recebiam os 10% mais pobres em 2006; hoje o fosso é de 39 vezes. No Chile o voto é facultativo; mais da metade dos eleitores preferiu não sair de casa no
pleito que levou Piñera à presidência.
O sucesso dos protestos seguramente surpreenderam os que participaram deles. Os jovens chilenos, cujos desmandos obrigaram o governo a pôr tropas nas ruas e implantar o toque de recolher, não esperavam que seus protestos obrigariam o presidente a pedir desculpas pela TV. E menos ainda que o governo adotasse medidas econômicas visando corrigir algumas das desigualdades.
Vale o mesmo para os jovens de Hong-Kong que conseguiram que o governo desistisse de impor a lei da extradição. Analistas afirmam que no final do governo Fernando Henrique Cardoso
levantes semelhantes não ocorreram no Brasil porque havia a esperança de mudanças com a eleição de Lula para presidente.
Os erros de política econômica praticados a partir de 2010 levaram aos levantes de 2013, ao impedimento do governo Dilma e à consolidação do golpe direitista com a vitória de Bolsonaro em 2019.